Durante debate ocorrido no mês de
Novembro/2000, em uma Universidade, nos Estados Unidos, o ex-governador do
Distrito Federal, Cristovam Buarque (PT), foi questionado sobre o que pensava
da internacionalização da Amazônia. O jovem introduziu sua pergunta dizendo que
esperava a resposta de um humanista e não de um brasileiro. Segundo Cristovam,
foi a primeira vez que um debatedor determinou a ótica humanista como o ponto
de partida para a sua resposta:
"De fato, como brasileiro eu simplesmente falaria contra a
internacionalização da Amazônia. Por mais que nossos governos não tenham o
devido cuidado com esse patrimônio, ele é nosso. Como humanista, sentindo e
risco da degradação ambiental que sofre a Amazônia, posso imaginar a sua
internacionalização, como também de tudo o mais que tem importância para a
Humanidade. Se a Amazônia, sob uma ótica humanista, deve ser
internacionalizada, internacionalizemos também as reservas de petróleo do mundo
inteiro. O petróleo é tão importante para o bem-estar da humanidade quanto a
Amazônia para o nosso futuro. Apesar disso, os donos das reservas sentem-se no
direito de aumentar ou diminuir a extração de petróleo e subir ou não o seu
preço. Da mesma forma, o capital financeiro dos países ricos deveria ser
internacionalizado.
Se a Amazônia é uma reserva para
todos os seres humanos, ela não pode ser queimada pela vontade de um dono, ou de um país. Queimar a Amazônia é tão grave quanto o
desemprego provocado pelas decisões arbitrárias dos especuladores globais. Não
podemos deixar que as reservas financeiras sirvam para queimar países inteiros
na volúpia da especulação. Antes mesmo da Amazônia, eu gostaria de ver a
internacionalização de todos os grandes museus do mundo. O Louvre não deve
pertencer apenas à França. Cada museu do mundo é guardião das mais belas peças
produzidas pelo gênio humano. Não se pode deixar esse patrimônio cultural, como
o patrimônio natural amazônico, seja manipulado e destruído pelo gosto de um
proprietário ou de um país.
Não faz muito, um milionário japonês, decidiu enterrar com ele um quadro
de um grande mestre. Antes disso, aquele quadro deveria ter sido
internacionalizado. Durante este encontro, as Nações Unidas estão realizando o
Fórum do Milênio, mas alguns presidentes de países tiveram dificuldades em
comparecer por constrangimentos na fronteira dos EUA. Por isso, eu acho que
Nova York, como sede das Nações Unidas, deve ser internacionalizada. Pelo menos
Manhattan deveria pertencer a toda a Humanidade. Assim como Paris, Veneza,
Roma, Londres, Rio de Janeiro, Brasília, Recife, cada cidade, com sua beleza
específica, sua história do mundo, deveriam pertencer ao mundo inteiro.
Se os EUA querem internacionalizar a Amazônia, pelo risco de deixá-la nas mãos
de brasileiros, internacionalizemos todos os arsenais nucleares dos EUA. Até
porque eles já demonstraram que são capazes de usar essas armas, provocando uma
destruição milhares de vezes maior do que as lamentáveis queimadas feitas nas
florestas do Brasil. Nos seus debates, os atuais candidatos à presidência dos
EUA têm defendido a idéia de internacionalizar as reservas florestais do mundo
em troca da dívida.
Comecemos usando essa dívida para garantir que cada criança do mundo
tenha possibilidade de ir à escola. Internacionalizemos as crianças
tratando-as, todas elas, não importando o país onde nasceram, como patrimônio
que merece cuidados do mundo inteiro. Ainda mais do que merece a Amazônia.
Quando os dirigentes tratarem as crianças pobres do mundo como um patrimônio da
Humanidade, eles não deixarão que elas trabalhem quando deveriam estudar; que
morram quando deveriam viver. Como humanista, aceito defender a
internacionalização do mundo. Mas, enquanto o mundo me tratar como brasileiro,
lutarei para que a Amazônia seja nossa. Só nossa."
(*) Cristóvam Buarque
foi governador do Distrito Federal (PT) e reitor da Universidade de Brasília
(UnB), nos anos 90. É palestrante e humanista respeitado mundialmente.
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